Xena e o Cisne Negro

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Por Robson

 

Dediquei uma de minhas primeiras tardes desse Outono para me sentar num parque e olhar as folhas secas caindo e forrando o gramado junto à areia do playground. Não caíam em câmera lenta, como acontece nas cenas dos personagens melancólicos nos filmes, mas mesmo assim me recordei de plumas, plumas pretas e, na emenda, o filme Cisne Negro veio à minha mente.

 

Como a ótica xenite já está intrínseca em mim, eu avalio tudo na minha vida através dos ensinamentos que Xena me deu. E não haveria como ser diferente com esse deslumbrante filme estrelado por Natalie Portman. Na verdade, trata-se de uma pintura perturbadora em movimento, que me deixou em modo de reflexão por dias, a fim de conceber este artigo. Artigo?, penso eu. Já estou aqui no segundo parágrafo e não tem jeito de eu retomar aquele estilo de escrita formal tão próprio da minha pessoa, aquela maneira de expressão regrada que vocês que acompanham meus textos já conhecem há 2 anos. Mas acho que vou seguir nessa prosa impessoal mesmo, como se este espaço aqui fosse uma página do diário que eu nunca tive. Sinto que hoje não me sinto sorridente o suficiente para executar meus malabarismos com estruturas dissertativas. E fazia muito tempo que eu não me sentia assim aqui na Revista, como se estivesse diante da lareira, sentado no carpete e tomando um café quente. Bom, agora permitam que eu regresse ao foco desse “artigo”, se é que assim posso chamá-lo, porque se eu perder o fio da meada, pode ser que o novelo role pra debaixo do sofá e eu acabe falando aqui com vocês como o gato mimado sem seu brinquedo terapêutico.

 

Pra quem não assistiu Cisne Negro, o filme fala sobre Nina, uma bailarina que doa-se ao extremo em seus treinamentos, no intuito de aperfeiçoar sua técnica de dança. Quando ela é selecionada para o papel principal na apresentação do Lago dos Cisnes, Nina fica eufórica e radiante de orgulho de si mesma. Mas sua autocobrança e obsessão atingem níveis estelares quando ela depara-se com um problema: embora ela seja um impecável Cisne Branco, na hora de realizar a performance do Cisne Negro ela mostra-se uma lamentável tragédia. Seu treinador não economiza saliva para criticá-la: o Negro está muito aquém da perfeição do Branco. Nina parece incapaz de incorporar a personalidade malévola do Cisne Negro, e enquanto ela não entrar em sintonia com seu lado sombrio – se é que ela possui um – ela dançará desastrosamente, colocando seu futuro profissional na guilhotina…

 

Aí, sentado no banco do parque, vendo o vento passar, comecei a traçar um paralelo entre Cisne Negro e Xena – A Princesa Guerreira: teria Xena conseguido acabar com vilões como Baco, Mefistófeles e Yodoshi se ela outrora não tivesse experimentado a prática e os “benefícios” da vida como a assassina Conquistadora de Nações? Será que ela teria sido capaz de derrotar o Mal tantas vezes se ela mesma não tivesse sido má antigamente? Uma pessoa de sangue inocente, assim como Gabrielle o era até a morte de Meridian no templo de Dahak, teria estômago e maturidade mental para lidar com toda a crueldade desse mundo?

 

Lembram do episódio The Price? A fim de lutar contra a horda, Xena assume a personalidade da Evil Xena. Gabrielle fica horrorizada com aquela Xena desumana, mas, segundo a Princesa Guerreira, “aquela Xena não pode nos ajudar agora. Se perdê-la é o preço a pagar para salvar a todos nós, eu pago. É uma parte minha que eu pensei que nunca mais iria precisar de novo.” E a dúvida que paira no ar é a seguinte: Xena teria derrubado a violência daquele primitivo grupo caso ela não tivesse seu histórico de sanguinária guerreira?

 

 

KILL THEM ALL!!”

 

 

 

Será que existe mesmo dentro de nós esse interruptor, pra ligar e desligar o nosso Mal entranhado na hora que nos for mais conveniente? E se de repente o botão emperrar, como ficaremos? Não seria arriscado demais praticar essas nuances? E se essa coisa de ficar sempre virando a cabeça por cima do ombro pra consultar nosso passado negro acabar por nos quebrar o pescoço? Me digam: o Mal é uma máscara que podemos usar a nosso bel-prazer, sem receio de que ela se funda à nossa face para jamais ser removida? Na verdade, todo mundo sente medo de tapar seus poros com essa defesa provisória, esse ataque mortífero para nossos adversários… e também para nós mesmos.

 

 

 

Quantos de nós reprimem seus desejos mais intensos, como se a exposição dos mesmos nos taxasse de maníacos, rebeldes e desviados? A maioria das pessoas vive – vive? – mostrando para os outros apenas suas faces com selo de aprovação imposto pela sociedade, aquelas às quais certamente ninguém vai dirigir um olhar de repreensão ou repulsa. Poucos são aqueles que deixam a malícia interior temperar suas palavras e atos, de modo que seu comportamento acaba reduzindo-os a criaturas incompletas, covardes, pálidas. Por que todo esse pudor, todo esse receio de ousar, de ser autêntico? Que todo mundo soubesse que, de vez em quando, é preciso beber do elixir de nossas experiências passadas, aquelas que nos deixaram magoados e furiosos, para assim podermos ter a postura forte de encarar e vencer obstáculos do presente. A Xena que amamos lutava pelo Bem, porque sabia a dor que o Mal causava aos que são incapazes de se levantarem em defesa de si mesmos.

 

 

Devemos nos questionar: o mundo seria bem defendido por pessoas que não compreendem o Mal? Com que olhos será que o mundo mira as pessoas que não lutam por ele, aquelas pessoas que apenas oram? Que valor possuem aqueles que apenas se colocam de joelhos, juntam as mãos e rezam fervorosamente? Preces adiantam de alguma coisa? Enquanto uns esperam milagres divinos, outros vão lá e fazem o progresso acontecer por meio da força, suando e sangrando, sendo para o mundo a mudança que eles esperam ver nele.

 

 

 

 

Sempre foi dito que de médico e louco todo mundo tem um pouco. Se eu me colocar como médico, estarei optando por ser um indivíduo racional, um homem da ciência… Aí levanta-se um temor: poderei estar vivendo no campo do racional, e me privando, sem querer, de experiências mais frutíferas. Lembram-se de Is There a Doctor In The House? O pessoal do templo apenas clamava para que Asclépios, o Deus da Medicina, os ajudasse na recuperação de seus enfermos. Xena, como de costume, não ficou de braços cruzados rezando o terço: ela meteu a mão na massa, limpou, costurou, amputou… Prática. Perceberam? Ela utilizou sua metade Cisne Branco (o médico) somada com sua parte Cisne Negro (o louco), e a combinação obteve sucesso! Os combatentes feridos estavam se curando, e tudo por mérito de uma curandeira maluca. E maluca por quê? Porque ela, ao tomar as medidas cirúrgicas com aquelas pessoas, podia sim estar pondo em risco a vida delas, mas como o atendimento de enfermeira de Xena era nada mais que a junção do lado impulsivo e decidido do Negro interagindo com as boas intenções do Branco, aqueles homens voltaram a andar.

 

 

 

Então, como moral desses meus devaneios, eu acredito que o nosso lado selvagem pode nos ajudar e muito no desempenho de nossas tarefas diárias, e no modo como lidamos com nossos familiares, amigos e colegas. Não que isso seja sinônimo de que iremos sair por aí rasgando a roupa de gente que nem conhecemos, ou que subiremos nus na torre da igreja pra denegrir a imagem do prefeito. Não é isso! Ser CISNE é ter classe, ter leveza, sutileza. Portanto, não colocaremos nossa face Cisne Branco em posições constrangedoras quando for necessário vazar um pouco do veneno do Negro. Afinal, somos dois polos opostos porém interligados.

 

 

 

 

Cisne Negro é um filme sedutor, assustador e surpreende com seu mix de arte e pesadelo. Nina era insegura e sem amigos, igual a Xena era na época Evil, onde o destino havia roubado dela seu irmão Lyceus, e a traição de César tranformara-a numa pessoa desiludida com os sentimentos humanos. Nina vivia exclusivamente para a dança; Xena dedicava sua vida somente ao sangue na lâmina de sua espada. Em síntese, Nina jamais seria a Rainha dos Cisnes se não manchasse sua pureza e ingenuidade com algum pecado, alguma maldade. Ela precisava de alguma gota para ser maculada, bem como Xena havia sido. Porque quando Xena deixou Amphipolis, ela começou a lapidar seu lado Negro, mas o rosto do Branco ainda estava lá dentro dela, respirando, tão latente quanto seu até então oculto lado Negro sempre estivera. Num perfeito equilíbrio de Yin Yang (feito conquistado pelas “aulas” que tomou com Gabrielle), Xena era a front girl do show: ora ela dançava como Cisne Branco, ora como Cisne Negro, e o fazia livremente.

 

Todos temos os dois cisnes dentro de nós. O grande mal não é soltar o Negro da coleira para que ele domine a gente de vez em quando: o verdadeiro mal é passar a vida pensando que somos patinhos feios.

 

Você que me acompanhou até o final desta minha nuvem de pensamentos, está na hora de me pegar pela mão e me levar embora deste parque. Eu vou lembrar deste passeio. Você não?

 

°°°

 

 

 

Este texto vai para o meu mais novo amigo, Rafael, aqui da minha cidade, meu parceiro de chopp pós-expediente de trabalho, que senta ao meu lado para desabafar suas tristezas e que acaba sempre escutando minhas citações de Xena e Gabrielle e me dando um abraço acanhado com os olhos molhados.

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2 Responses to “Xena e o Cisne Negro”

  1. Ruanna disse:

    Esplendoroso texto!
    Todos nós temos esse lado mal, mesmo não querendo ter. Faz parte de todo mundo. Cabe você segui-lo ou não, livre arbítrio!

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  2. Flavia Cris disse:

    Acho que por isso que amo tanto Cisne negro quanto Xena. Demais, essas nuances de personalidade é que me fascinam nestas personagens.

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