Deucalião e Pirra
Por: ABarda
Por Cris ‘Barda’ Penoni
Os deuses estavam em fúria com os seres humanos: os homens eram perversos, destrutivos, egoístas, maus… Parecia uma epidemia de maldade, que havia se alastrado sobre a face da Terra, dominando a todos e transformando a humanidade em uma espécie cada vez mais cruel. Homens e mulheres eram um fardo pesado demais para o mundo.
Os imortais, então, seguiram a Via Láctea, e se reuniram no Olimpo, onde chegaram a uma solução lógica e simples: bastava eliminar a humanidade do planeta, e tudo estaria resolvido.
Zeus quis lançar seus raios sobre os homens, e atear fogo a tudo. Mas o fogo atingiria as moradas celestes dos deuses, e então o soberano do Olimpo mudou de idéia. Era melhor inundar tudo. Bóreas, o vento norte, que espalha as nuvens, foi proibido de trabalhar. Já o vento sul, que aglomera as nuvens, foi solto e logo a chuva desabou sobre a terra de forma impiedosa, inundando tudo, arrastando tudo: casas, florestas, pessoas, animais…
Mas isso não era suficiente. O deus do raio ordenou que Poseidon, seu irmão, lançasse ondas gigantescas contra a terra firme, e que causasse terremotos e maremotos jamais presenciados…
Os seres humanos foram morrendo, um a um. Porém, um homem e uma mulher sobreviveram. Eles eram Deucalião (o mais justo entre os homens), filho de Prometeu, e Pirra (a mais pura entre as mulheres), sua esposa. O casal, avisado por Prometeu sobre o dilúvio que viria, construiu um barco e quando as águas começaram a subir, eles se refugiaram no Monte Parnaso, que foi a única parte de terra que não ficou coberta. Zeus viu que o casal havia sobrevivido e que todos os outros humanos estavam mortos, então o deus interrompeu a chuva.
O casal concluiu que, como eram os únicos sobreviventes, era dever deles repovoar a terra. Mas, como? Eles não eram deuses, nem possuíam poderes como os de Prometeu, que uma vez havia renovado a raça humana… Decidiram ir a um templo, e perguntaram ao Oráculo o que deveriam fazer.
– Saiam do templo com a cabeça coberta e as vestes desatadas e atirai para trás os ossos de vossa mãe.
Isso não fazia sentido, além de ser uma ofensa à memória da mãe. Mas Deucalião pensou por bastante tempo, e chegou à conclusão de que a Terra era a mãe, comum a todos os seres humanos, e então, as pedras eram os ossos da mãe. O casal resolveu tentar. Seguindo as palavras do Oráculo, cobriram a cabeça, desataram as roupas e começaram a lançar as pedras para trás. Milagre dos milagres: as pedras atiradas por Deucalião se transformaram em homens, e as que Pirra atirava se tornaram mulheres.
E depois de uma humanidade perversa ser aniquilada, novos seres humanos surgiram para povoar o mundo. Passaram-se os anos; muitos e muitos anos. Os descendentes de Deucalião e Pirra foram conquistando o mundo, mas à medida que faziam isso, começaram a cometer os mesmos erros que os antepassados de seus antepassados. Uma humanidade perversa, sem consciência ecológica e que vive apenas para satisfazer seus desejos, sem responsabilidades voltou a ocupar o planeta. Mas dessa vez o mundo não se resume à Grécia e suas redondezas. É um mundo globalizado, cheio de tecnologia, que nos permite saber das desgraças que atingem a humanidade, numa freqüência nunca experimentada antes…
Castigo dos deuses? Revolta da natureza? Efeito Gaia? Aquecimento global? Chamem como quiserem. Só não esqueçam que se as coisas continuarem assim, logo teremos que reconstruir o nosso planeta e a nossa espécie. Mas reconstruir não é tão fácil quanto o mito de Deucalião e Pirra nos faz crer: é um trabalho árduo e que depende, principalmente, de que ainda estejamos aqui.
Não é mais fácil preservar o planeta enquanto ainda dá tempo?