Bipolaridade psicológica em XWP

Por:

 


Por Mary Anne M.W.

 

Hoje estava eu numa aula de Teoria Literária, porém com a cabeça na tarefa de achar um assunto sobre o qual escrever na RX desse mês.

Eis que a aula dada foi sobre tipos de personagens (provavelmente a décima vez no ano que o professor passa a mesma coisa).
Citando exemplos que eram tidos como universais, foi discutido sobre o quão real pode ser um personagem, sendo considerado o seu grau de bondade e pureza.
Segundo as conclusões do professor em questão, quanto mais pura, mais irreal.
Falou-se também da complexidade mais elevada de personagens de personalidade bipolar e de como nós – leitores ou telespectadores – temos a tendência em classificar os personagens em duas classes: bons ou maus.
Obviamente isso é errôneo e complicado. Como poderíamos por exemplo classificar a personagem de Ellen Page no filmeHard Candy(MeninaMá.Com)? Justiceira? Vilã? Vítima?
Sem dúvida o grau de intensidade psicológica é grande, e quanto maior a complexidade, mais real, afinal o que somos nós, seres humanos, se não psicologicamente complexos?

Refletindo sobre isso, resolvi tentar aplicar em alguns personagens de XWP. Cheguei a uma escala que vai do mais puro até o mais corrompido dos personagens.
Tentei escolher personagens marcantes, chaves; contudo descartei os deuses, pois os mesmos, na qualidade de deuses, supostamente não teriam a complexidade e o psicológico humano, embora a série fuja disso algumas vezes.

Bom, expondo minha escala aqui, começarei do mais puro até o mais corrompido:

– Joxer: Sim, Joxer parece ser o arquétipo da pureza de coração em XWP. Muita gente pensaria que eu colocaria aqui Gabrielle, mas a meu ver, isso não estaria certo. Joxer sempre quis ser um guerreiro, como sabemos, mas sua falta de trejeitos e mesmo seu coração não o permitiram.
Muitas pessoas podem ver Joxer como apenas um idiota. Talvez um idiota “fracassado”, um anti-herói que quando criança apanhava do irmão malvado e como adulto viveu na sombra de duas guerreiras como ele sempre quis ser. Mas Joxer não era um idiota. Não era um fracassado. Não era um anti-herói. Ninguém nasce um guerreiro, ninguém nasce habilidoso e ninguém nasce mau. Joxer em sua primeira aparição tenta se aliar a Callisto. Se ele realmente tivesse a sede da batalha, ele não desistiria simplesmente pelo fora que levou. Ele podia se tornar tão habilidoso quanto aquelas que ele admirou, afinal, quem não lembra de Gabrielle “se acertando” com o próprio cajado quando aprendia a lutar? Mas Joxer não tinha a sede pela guerra. Joxer entrou em pequenas lutas com Xena e Gabrielle, mas não porque ele quisesse ver sua espada suja de sangue. No fundo, podemos dizer que Joxer nunca teve a intenção de machucar alguém. E quando o fez, sem querer, sofreu com o sentimento de ter tirado uma vida. Em suma, Joxer era um andarilho da Grécia, de bom coração, que buscava algum reconhecimento, talvez por uma questão de ego, talvez na esperança cada vez mais remota de despertar a atenção da mulher que amava. Mas em suas ações, nunca se pode ver uma intenção negra.

– Gabrielle: Agora sim, Gabrielle no seu devido lugar na escala. Ter o segundo lugar a torna menos pura que Joxer? Na verdade, a torna mais humana e mais real.
Existe na série uma metáfora do rio com pedras no fundo, e essa metáfora se aplica perfeitamente a Gabrielle. Ela inicia a série como um rio cristalino de água pura. Com a inocência de uma criança, praticamente, mas sede, sede de conhecer o mundo. E como sabemos, o mundo não é cristalino. A vida dá rasteiras que vão pouco a pouco tirando a inocência das pessoas.
Foi o que aconteceu com Gabrielle. Diferente de Joxer, Gabrielle desejou a morte de alguém. Quis ela própria matar Callisto. Tirou a vida de Meridian, mesmo que sem intenção. Foi para Chin e “traiu Xena”, como ela própria admitiu, por ciúmes de Xena ter amado alguém no passado. Gabrielle foi acumulando pedras. Saindo do estado idealizado de pureza e desenvolvendo um lado obscuro, ainda que o mesmo estivesse muito bem guardado e só se manifestasse esporadicamente, em momentos chave.
No fundo, não somos assim? Seres humanos criados na civilização ocidental, onde a religião diz para fazer o bem, onde o cinema sugere que o mocinho sempre tem de vencer, que tentamos seguir essa retilinidade de caráter e, na qualidade de HUMANOS, temos nossos tropeços? Nossas pisadas pra fora? Quem nunca sentiu sede de vingança, mesmo por mais boba que fosse a situação? Revidar aquela bola de papel que nosso coleguinha nos acertou no jardim de infância. Não saímos com espadas por aí matando nossos inimigos, mas às vezes ferimos com palavras. E, de repente, vemos o quanto fizemos mal. De repente, mesmo que tivéssemos sido vítimas anteriormente, nos arrependemos e pensamos que não valeu tanto a pena revidar. Assim como Gabrielle percebia – quem não lembra de Who’s Gurkhan? -. No fundo – arrisco eu a dizer – Gabrielle era a personagem mais humana de XWP. Aquela que aprende com erros, que tropeça, levanta, que voa pela obscuridade, pela luz e pelas “shades of grey” – ou seja, o meio termo entre luz e escuridão-, e que busca seu equilíbrio.

– Xena: Bom, Xena vai marcar aqui o meio da escala. Xena não tinha a mesma pureza que Gabrielle tinha por volta dos 17 anos. Ela havia levantado-se contra os opressores da sua aldeia, havia lutado ao lado do irmão, e a dor da perda de Lyceus foi um estopim. Xena era como uma grande bomba com um longo pavio. A morte de Lyceus foi o que acendeu aquele pavio, e este foi queimando, alimentado por suas pilhagens, seus assassinatos, sua sede pela batalha, pela conquista. A explosão foi quando percebeu o que tinha se tornado e quis desistir. Então entrou em cena Gabrielle pra limpar os escombros causados pela explosão. Mas Xena tinha o bem dentro de si. Ela foi quem provou com mais intensidade os dois lados. Ela é a representação mais clara desse “shade of grey”. Nesse aspecto, acredito que seja difícil defini-la. Para nós, Xena é claramente uma heroína, mas se traçássemos um enredo linear onde todos os seus flashbacks dos tempos evil fossem colocados no seu devido lugar, se a história tivesse sido contada do começo, do momento em que a sua aldeia foi atacada, passando para seu desenvolvimento em “evil Xena”, seus anos de warlord, pirataria, Valquíria e todos os seus momentos escuros do passado, para então ser introduzido a fase do seu retorno ao lado “bom” e a segunda fase do seu desenvolvimento – dessa vez do lado da luz -, seria extremamente difícil classificar Xena, porque ela foge dos nossos arquétipos. Ela foi antagonista e foi mocinha. Ela foi anti-heroína e foi heroína. Mas por que Xena foi o que foi? Como dezenas de pessoas que perderam um ente nas guerras, ela podia apenas continuar sua vida e se conformar. Mas ela preferiu se tornar aquilo que a havia atingido. Teria Xena despertado esse lado obscuro se Cortese não tivesse lhe atacado, se Lyceus não tivesse morrido? Ou foi o Destino – ah, tão citado Destino – o responsável por tudo isso? E se nem ele, mas o próprio Karma?
São tantas hipóteses e possibilidades que tudo isso leva a conclusão de que, literariamente falando, Xena é um perfeito exemplo de personagem redonda, enquanto Gabrielle seria uma personagem plana com tendência a redonda, e Joxer, uma personagem simplesmente plana.
Mas estamos apenas no meio da escala. Ainda faltam mais duas personagens.

– Callisto: Callisto está quase no topo da minha escala. No topo mau, quero dizer. Mas porque QUASE, afinal?
Bom, Callisto tem motivos parecidos com os de Xena. Callisto foi, na realidade, criada por Xena, assim como Xena foi criada por Cortese.
Callisto foi guerreira, deusa, demônio e anjo.
Provavelmente se não houvesse uma “evil Xena” na história, Callisto seria uma camponesa de Cirra. Talvez uma dona de casa… Ou não? Ou seria uma camponesa com sede de aventura como Gabrielle? Fica difícil definir, pois temos pouco “background” dessa personagem e o que temos não nos dá margem a uma análise muito precisa. Mas sem dúvida Callisto foi uma vítima do Destino ou talvez do Karma, tal qual Xena. Mas a diferença é que da pilhagem e do incêndio em Cirra, não nasceu uma guerreira, uma pirata, uma pessoa com sede de batalha. Nasceu uma psicopata, e isso torna muito mais complexa a tarefa de analisar Callisto, pois entra em jogo o questionamento sobre sua sanidade, seu estado psicológico e mental. Callisto era obcecada por uma meta. Vingar-se de Xena. Tudo que ela fazia estava ligado a isso. Ela não matava porque tinha prazer em matar, ela matava para atingir Xena. Ela não destruía pelo prazer de destruir. Ela destruía para fazer Xena se sentir culpada. Callisto não tinha sede pela batalha, pelo sangue, mas sim pela vingança que tornou-se a única meta de sua vida. Pela qual ela morreu – mais de uma vez. Callisto provavelmente não conseguiria se redimir em vida, pois sua sanidade estava obviamente afetada. E obviamente, sempre – constantemente em toda a série – havia o fator do Destino, que provavelmente deu uma mãozinha.
Contudo, é estranho se pensarmos na redenção de Callisto. A amaldiçoamos por quebrar o chakram nas costas de Xena causando a morte dela e de Gabrielle. Mas se Callisto não participasse dos eventos de Idos de Março, ela apenas continuaria a sofrer no Inferno. Xena e Gabrielle provavelmente morreriam, afinal era o que a visão mostrava, era um destino ligado a César, e não a Callisto. Então não haveria uma Callisto demônio – por desacatar as ordens do seu “senhor” -, logo, não haveria Xena indo para o Inferno e se sacrificando por Callisto, para transformá-la em Anjo. Sem Anjo Callisto, não haveria ressurreição de Xena e de Gabrielle.
Ela foi uma peça chave no destino de Xena. E com o sacrifício, alcançou seu passaporte para um caminho de redenção.
Não, Callisto não se redimiu em Fallen Angel apenas porque virou Anjo. Ali foi apenas o começo. Seu caminho de redenção, com tropeços e acertos, com escuridão, luz e sombra só começou na vida seguinte, como uma personagem que não me cabe citar nesse artigo.
Em suma, Callisto foi na maior parte do tempo má, porque eventos trágicos apagaram uma luz que havia em si. Mas muito tempo depois, houve a possibilidade de que essa luz se reacendesse.

 

– Alti: E aqui, a ponta extrema da maldade. Alti e Callisto tiveram ações com o mesmo grau de perversidade em muitos momentos, mas são personagens diferentes.
Callisto foi conseqüência de um evento. Alti é evidentemente MÁ em sua essência. Em sua alma, o que fica explícito se consideradas todas as suas encarnações, onde a perversidade lhe acompanhava. Alti não foi feita má. Não ficou má. A maldade lhe era uma característica intrínseca e imutável.
Recordo-me do comentário do episódio When Fates Collide onde Renée e Robert discutem alguns aspectos e ela lhe pergunta se Alti era pra ser considerada humana, ou era algum tipo de entidade maligna. Ele responde que ela era humana, mas uma humana má. Eu diria que o mais correto seria afirmar que ela era uma alma má. Basicamente, a escuridão em sua forma mais plena, sem nem um mínimo ponto de luz. Não temos background sobre a personagem, não sabemos como foi sua juventude (se sofreu como Xena e Callisto, ou se ansiava por descobertas como Gabrielle), mas nos é deixado claro que a maldade de Alti não é terrena, e sim espiritual.

Obviamente o meio da escala – de Gabrielle a Callisto – compreende aquelas personalidades que podemos encontrar na vida real. Que poderiam ser eu ou você. Que são, portanto, personagens possíveis e reais.
Alti e Joxer têm algo em comum. São personagens planas. Depois de um ponto da série, sabemos que Joxer sempre será daquele jeito: vítima de suas trapalhadas, com um coração de leão. Sabemos que a possibilidade dele nos surpreender é quase remota. Apenas no final de sua existência – em ambos os sentidos – Joxer nos surpreende, no momento em que avança sobre Livia rumo ao sacrifício pela mulher que ama, o que lhe dá por um momento o rótulo de personagem plana com tendência a redonda, e o que lhe salva do rótulo de anti-herói, lhe firmando como um herói.
De Alti, por sua vez, não esperamos nada além da maldade. E é isso que ela mostra linearmente, do começo ao fim, sem oscilações ou hesitações. Alti é uma linha reta de atitudes. Portanto, entre todas as citadas acima, a menos complexa entre todas.
Fico por aqui dessa vez. Obrigada pela atenção concedida.

Até mês que vem.

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