Baucis e Filêmon
Por: ABarda
Por Cris ‘Barda’ Penoni
Julho passou voando, não foi? E, em meio a tantos trabalhos escolares, provas e outro compromissos, já chegou a data de entrega das matérias da RX…
Esse mês, ao invés de uma matéria informativa sobre algum assunto mitológico, decidi contar uma história da mitologia grega. Afinal, era assim que as crenças eram passadas na Grécia Antiga: através de histórias.
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Na Frígia há uma montanha, onde uma tília e um carvalho se erguem, lado a lado, rodeados por um muro baixo. Não muito longe dali fica um pântano, que agora serve de refúgio para aves aquáticas, mas antes era um local seco e habitado por humanos.
Certa vez, dois viajantes desconhecidos passaram por ali. A noite já estava muito avançada, e eles batiam nas portas, pedindo abrigo e comida, mas muitos aldeões se recusavam a se levantar para atendê-los. Os que se levantavam, o faziam apenas para expulsar os viajantes: onde já se viu acordar alguém tão tarde da noite?
Os viajantes foram de casa em casa, sendo sempre mandados embora pelos moradores. Até que eles pediram acolhimento em uma velha choupana. Ali vivia a velha Baucis e seu marido Filêmon. Eles estavam casados desde muito novos, e sempre viveram em harmonia. Nunca tiveram muitas riquezas: sempre faltava alguma coisa. Mas com dedicação e disposição, eles sempre conseguiram superar as dificuldades da vida. Viviam em estado de igualdade: Baucis e Filêmon se amavam e se respeitavam, e nem ele mandava nela, nem ela mandava nele.
Eles acolheram os viajantes, e se dispuseram a fazer uma sopa e a servir um vinho. A velha arrumava as coisas, enquanto seu marido cozinhava para os viajantes. Não possuíam muito para oferecer, e por isso mesmo não fizeram um banquete. Todos os ingredientes para a sopa que Filêmon fazia foram pegos em poucas quantidades, pois se ele e sua mulher gastasse muito com aquela visita inesperada, eles mesmos não teriam o que comer nos dias seguintes.
Apesar da simplicidade do acolhimento, o casal de velhos estava sendo sincero ao oferecer algum conforto aos viajantes. Tão logo a sopa ficou pronta, Baucis e Filêmon fizeram questão de servir aos estranhos, que também se serviram de vinho.
Mas algo inimaginável acontecia com o vinho: quanto mais ele era servido, mais vinho aparecia na jarra. Os visitantes eram deuses!, concluiu Baucis. Ela e o marido ajoelharam-se em frente as ilustres presenças, que se revelaram como Zeus e Hermes, e imploraram aos deuses que os perdoassem pela acolhida simples e pela comida insuficiente.
Decidiram, então, servir aos deuses o velho ganso que fazia as vezes de um cão de guarda. Os dois velhos saíram correndo atrás do animal, que era mais rápido e conseguia fugir da perseguição. O ganso se refugiou entre as duas presenças olímpicas. Zeus então disse:
-Parem com isso! Buscamos acolhimento em todo o vilarejo, e nenhuma casa nos ofereceu abrigo. Vocês foram os únicos a se importarem com os viajantes desconhecidos, e por isso, nós lhes recompensaremos.
O deus ordenou ao casal que saísse da choupana, e subisse a montanha. Muito assustados, os velhos obedeceram à ordem divina. A uma certa altura da caminhada, Filêmon olhou para trás e levou um susto: a aldeia inteira estava sendo invadida por água. As casas de seus vizinhos estavam submersas, mas a casa dos velhos flutuava. E, ainda mais surpreendente: ela estava se transformando. As paredes de madeira velha haviam sido substituídas por pedra. O chão agora era de mármore, e as portas estavam ornamentadas com baixos-relevos e muitos detalhes em ouro. Havia colunas muito belas, e o teto estava mais alto e mil vezes mais belo. A casa era agora um belo templo.
Zeus, ao lado de Hermes, disse aos bondosos velhos:
-Filêmon, excelente velho, e você, piedosa Baucis… Vocês foram bons conosco, e por isso nós lhes damos a oportunidade de pedir um favor.
O casal discutiu por alguns instantes, e então Filêmon comunicou aos deuses a vontade dele e de sua mulher.
-Bondosos deuses, – disse, humildemente – gostaríamos de ser os sacerdotes e guardiões deste belo templo em que se transformou nossa choupana. E, por amar muito minha mulher e por ela muito me amar, também pedimos que Baucis jamais me veja morrer, e que eu não a veja morta. Quando chegar a hora de um, que chegue a hora do outro.
Os deuses consentiram o pedido do casal, e durante muitos anos, Baucis e Filêmon cuidaram do templo recebendo os visitantes e lhes contando a história da visita divina que um dia receberam.
Um dia, porém, Baucis notou que folhas surgiam na cabeça do marido. Filêmon viu os galhos que saíam do tronco de sua mulher. Eles entenderam que a hora da morte havia chegado, e começaram a se despedir, trocando palavras de carinho, respeito e gratidão, até que a casaca nodosa das árvores em que eles haviam se tornado lhes fechou a boca, acabando com a parte humana que ainda existia.
Dizem que até hoje existe o templo e as duas árvores. O guia de viajantes daquela montanha reconta o caso para todos os que passam por ali, e foi desta forma que a história do bondoso casal se espalhou pelo mundo, chegando até mim. E por ser uma bela história, achei que ela devia ser contada para vocês.
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A história acima tem como base a versão encontrada em “O Livro de Ouro da Mitologia: Histórias de Deuses e Heróis” (The age of fable), de Thomas Bulfinch (ed. Ediouro, Rio de Janeiro, 2006. Tradução por David Jardim) . Mas a forma que foi escrita e contada é de autoria da barda que assina o artigo!