A Velha amizade Romântica
Por: Mary Anne
Por Mary Anne M.W.
Não pretendo me alongar demais nesse artigo, mas isso sempre foge do meu controle.
Nunca fui uma pessoa “noveleira”.Lembro de assisti-las quando criança e achar meio besta o fato de só no final desmascararem o assassino que eu já havia descoberto três meses antes, ou de tudo acabar em casório e romanticidades do gênero.As acompanhei mais ou menos até 8 anos de idade, quando passou “A Indomada” que foi a ultima novela que lembro de ter assistido por inteiro.Depois via capítulos esporadicamente, normalmente passava a assisti-la nas semanas finais por algum motivo estranho.
Lembro que por volta de 2003, contudo, houve um alvoroço grande por causa do tal “casal lésbico de Mulheres Apaixonadas”. Alvoroço entre aspas, o caso é que notas sobre o fato “polêmico” saíram em diversas revistas, desde as focadas no universo noveleiro, passando por revistas de adolescentes e outras mais – cof, cof – sérias, como Veja e similares.Por que tanta muvuca afinal?Por que diferentes dos antecessores, eram duas personagens homossexuais – reluto em usar esse rótulo, mas aqui ele será necessário – que não eram caricatos, ou não eram ‘marginalizados’ na novela – entendam marginalizar como pôr a margem -, mas eram apenas duas adolescentes de 17 ou 18 anos, que eram apenas mais duas garotas normais, que estudavam, festavam, saiam e namoravam ( uma a outra), ou seja, comportamento completamente [ liga-se o modo irônico aqui] anormal para personagens homossexuais em novelas afinal eles supostamente tinham a função de ser o rapaz afeminado que trás humor ao folhetim ou as moças que explodem com o shopping.Do pouco que lembro de ter acompanhado da história, Clara e Rafaela eram um par bastante natural e bem retratado, com questões de preconceito dos pais e derivados, mas o contato físico mais esperado – ou seja, o beijo – era evitado pra não chocar o público.Assim como foi evitado em XWP em diversos momentos, embora a relação de Clara e Rafaela fosse explicita.Vê-se aí a diferença.Na mídia brasileira teve-se um par assumidamente apaixonado e um único beijo, ma mídia americana, a relação ficou em boa parte do tempo com o aspecto ambíguo e tivemos quatro beijos.Lembro do público interessado no romance de Clara e Rafaela ficando emputecido com o final, quando houve o tal beijo ( no queixo) dentro de um teatro, com uma delas interpretando um homem.
O alvoroço foi esquecido, mais umas duas novelas surgiram, as quais não acompanhei nem meia dúzia de capítulos.Ouvi falar da existência de mais alguns personagens homossexuais de menor destaque, mas os próximos a chamarem tanta atenção foram as da novela Senhora do Destino.Por ter começado retratando uma época pela qual me interessava – a ditadura militar – acabei resolvendo assistir alguns capítulos, embora o sotaque nordestino exagerado de Suzana Vieira fosse uma das coisas mais estressantes da TV brasileira.
Logo apareceram Jennifer e Eleonora com toda aquela AMIZADE, com todo aquele chamego, com todos aqueles “beijinhos de amiga”(aham!) e o resultado foi previsível, matérias pipocaram em revistas, programas de fofoca, internet etc. Houveram cenas mais ousadas, reflexo da pequena mudança de mentalidade em dois anos .Muitos diziam ser um marco, o máximo de ousadia visto até então – o público não estava acostumado com a idéia de que personagem gay não é um vegetal assexuado com mera função alegórica – .Pra mim parecia algo tão simples e normal que não chamou tanta atenção.O casal era até simpático, mas um pouco maçante, e acho que a interpretação da Bárbara Borges contribuiu pra que eu não tivesse muita simpatia pelas moças.
Nesse ponto vieram os críticos… Teve gente que começou a afirmar que todas (?) as lésbicas das que apareciam na TV brasileira eram jovens e bonitonas numa tentativa de desmitificar que mulher que gosta de mulher é masculinizada, fala grosso e se veste feito homem.
Pessoalmente eu não via como alguém tentando desmitificar algo.A mídia brasileira não me parecia tão esperta a ponto de pensar nesse aspecto.Era mais no gênero “se vamos polemizar, vamos polemizar com um par de gostosonas que aí se a polêmica não der certo, nem tudo tá perdido”, acredito eu.Mas em parte eu concordava com a critica no aspecto de que deveriam mostrar mulheres mais naturais, mais mulheres e menos musas.
Certo, e que Hades tem tudo isso a ver com Xena Warrior Princess, o leitor deve estar pensando.Calma, eu chego no ponto chave desse artigo, apenas tenham paciência.
Bom, não lembro direito que fim teve as personagens de Jennifer e Eleonora, e tampouco sei se surgiram outras personagens homossexuais depois delas – tinha um que o Bruno não-se-das-quantas fez, não? – mas há alguns meses a mídia começou se alvoroçar novamente com a nova fonte da cultura de massa. A Favorita, que trouxe o afeminado e caricato Orlandinho, o nosso típico gay pra fazer rir, e a misteriosa Stella, essa levada mais a sério.
Confesso que conheço pouco da história da novela, nem mesmo sei qual todo o rolo por trás da mala da Lara – irritante ao cubo – mas quando li nos sites de noticias sobre a “possibilidade” de um par romântico entre Lilia Cabral e Paula Burlamaqui, achei que seria no mínimo interessante, até porque dessa vez não se tratava de dois padrõezinhos de beleza.
Eventualmente assisti alguns capítulos nos dias que não tive aula na faculdade – e me interei do resto do caso de Cata e Stela via Youtube – e achei um aspecto interessante.Catarina era uma mulher frágil, submetida a um lar patriarcal e pior, as mãos de um marido agressivo e mandão que não vale o chão que pisa. Aí aparece Stella, uma mulher deslumbrante, com um ar de mistério e um passado oculto.
Tá, xenites, pelo amor de Zeus, não me digam que não viram nenhum paralelo nas ultimas frases.O que eram Xena e Gabrielle no começo senão isso – tirando a parte do marido imprestável e substituindo por um noivo “ lerdo e ignorante” .Aí chega Stela e dá um up na vida de Catarina lhe tornando auto-confiante e lhe melhorando a auto-estima, assim como Xena chegou e deu um up na vida de Gabrielle.O caso é que Catarina e Stella, tecnicamente( hum!Sempre ele.) não são um casaaal – há quem diga que Xena e Gabrielle também não, mas cá entre nós, companheiros subbers, QUEM acredita?-.Aparentemente, Stella é a personagem que foi casada com uma mulher no passado, fato que em certo ponto confidencia a amiga.Mas Catarina, ainda é casada com o marido imprestável que dava em cima da “amiga gostosona da esposa”. Mas pra olhos atentos ao subtexto não é difícil ver sinais.Sinais, sempre sinais. E independente desses sinais, é bem interessante ver Catarina ativando o lado Girl Power que nunca teve, pra defender a amiga da população preconceituosa da cidade – ãh, tal qual Gabrielle defendeu Xena do povo de Amphipolis?-.
O fato é que a – ainda – amizade de ambas, é algo que chama atenção ali, e lembra em alguns aspectos a “amizade” de Xena e Gabrielle. Mas o mais interessante é ver a personagem que antes era o tipo de cidadã com mentalidade um pouco atrasada e “meio boba pra esses assuntos” como a própria disse, se transformar numa ativista da defesa da causa Stellistica, com falas, discursos que não são feitos só pro povinho atrasado da cidade fictícia, mas pro povinho atrasado desse BRASIL.
Aí chego a outro ponto importante. Novela é sobretudo CULTURA DE MASSA.Novela não é algo que se precise PENSAR muito pra entender, é acessível a quase toda população e influencia tremendamente a mentalidade de muitos. Os discursos fortes – públicos! – que Catarina faz contra o preconceito, antes de serem um tapa na cara dos habitantes da cidadezinha da novela, são um tapa na cara de cada espectador que mantém preconceitos e o modo como tudo foi explicado ( “Você não precisa entender nada.Apenas precisa saber o que é o amor”) pode de fato mexer com a mentalidade de muita gente brasileira. Se a mídia Global tem tanto poder sobre a mentalidade do brasileiro, é bom saber que pelo menos um pouco desse poder está sendo usado pra algo que preste.
Diz o autor da novela que as personagens não terão um relacionamento – mas se contradiz dizendo que dependeria da aceitação do publico – mas tendo ou não tendo, esse pequeno fato no meio de um enredo embolado, que eu não faço questão de entender, quebrou um clichê e se não podemos ter toda uma história de “soulmates” brazucas a la XWP, uma “amizade romântica” tal qual foi classificado o relacionamento de Xena e Gabrielle em determinados pontos, já é válido.