A Literatura e a Mitologia

Por:

Por Cris ‘Barda’ Penoni ([email protected])

 

            Pois bem, caros Xenites… Mais um artigo de mitologia! Não sei bem como o artigo de março (‘Hera’) foi recebido por vocês, mas eu mesma não gostei dele. Por esse motivo, estou me esforçando ao máximo para fazer um bom artigo esse mês. Confesso que desde que “Caminho das Índias” começou a passar, estou tentada a escrever um artigo sobre o hinduísmo… Só que isso é uma ideia que eu não vou utilizar (por enquanto…).

            Há algumas semanas eu estava na aula, ouvindo minha professora de Literatura falar sobre Fernando Pessoa. Um dos heterônimos dele, o Ricardo Reis, tinha uma tendência árcade, e a mitologia greco-romana é muito presente em seus poemas. Então, uma lâmpada se acendeu logo acima da minha cabeça e –puf- uma nova ideia para artigo!

            Então, parando com essa introdução e começando  a aula de literatura o artigo!

 

            A relação (sem subtexto!) da literatura com a mitologia (principalmente greco-romana) é bem marcante. Um exemplo fácil disso é que os estilos são divididos entre “apolíneos” e “dionisíacos”. A referência não poderia ser menos direta… Um faz referência a Apolo, um deus de muitas habilidades (rsrsrs); o outro, a Dionísio, deus do vinho, do teatro, das bacantes…
Os estilos apolíneos são mais ligados à razão, à realidade, à exatidão, à lógica, à forma perfeita. Já os estilos dionisíacos são emotivos, trabalham questões como o sonho, a ambiguidade, pensamentos difusos…

Na Grécia Antiga (e em Roma também), obviamente, a literatura era diretamente influenciada pela mitologia. Autores como Homero, Virgílio, Ovídio e Sófocles são um dos mais conhecidos por seus textos com forte embasamento mitológico. Quem nunca ouviu falar em Ilíada e Odisséia atire o primeiro chakram…

Durante os (muitos) séculos em que a Igreja Católica comandou a Europa, a mitologia foi praticamente colocada de lado. Porém, no fim do século XIII, à medida que as pessoas voltaram a conquistar a sua liberdade de pensamento, surge a Renascença, e a mitologia volta a fazer parte da vida das pessoas. Nesse momento, ela já não é mais a religião; ela é uma parte da cultura. Conhecer a mitologia demonstrava erudição e muitos dos textos do Classicismo (escola literária da época) fazem referência à mitologia.
Camões, o maior poeta da língua portuguesa, em “Os Lusíadas” (por exemplo), se utiliza de menções a episódios mitológicos enquanto narra as aventuras portuguesas.
Só como exemplo, no Canto IV está a seguinte estrofe, que faz referência ao nosso conhecido Escovinha à Hércules (que é chamado de Alcides) e os seus 12 trabalhos:

– “Imaginai tamanhas aventuras,
Quais Euristeu a Alcides inventava,
O leão Cleoneu, Harpias duras,
O porco de Erimanto, a Hidra brava,
Descer enfim às sombras vãs e escuras
Onde os campos de Dite a Estige lava;
Porque a maior perigo, a mor afronta,
Por vós, ó Rei, o espírito e a carne é pronta.”

Depois do Classicismo, houve o Barroco, que provavelmente não citava muito a mitologia, pelo simples fato de ser um estilo com um forte lado religioso. 
O próximo estilo a tratar de temas mitológicos foi o Arcadismo, no século XVIII. O próprio nome do estilo já revela a influência clássica grega. Arcádia era uma região na Grécia Antiga habitada por pastores e poetas.
Um dos poetas brasileiros mais importantes nesse estilo era Tomás Antônio Gonzaga. Sua obra mais importante é Marília de Dirceu, e é dela que foi retirado o trecho a seguir:

Lira III

“(…)
Cupido entrou no Céu. O grande Jove
Uma vez se mudou em chuva de ouro;
Outras vezes tomou as várias formas
De General de Tebas, velha, e touro.
O próprio Deus da Guerra desumano
Não viveu de amor ileso;
Quis a Vênus, e foi preso
Na rede, que lhe armou o Deus Vulcano.
(…)”

Esse trecho faz várias referências, principalmente às puladas de cerca de Zeus (chamado de Jove).  O final se refere ao romance que Ares e Afrodite tiveram. Ela era casada com Hefesto (Vulcano), mas como o pobre deus-ferreiro era feio demais, Afrodite precisava de “companhia” a sua altura, e então, ela e Ares começaram uma bela história de … bom, não preciso dizer, não é? Mas Hefesto deu um jeito para se vingar, e construiu uma rede de malha de aço tão perfeitamente forjado que nem mesmo um deus poderia fugir. Ares e Afrodite foram pegos e Hefesto, para completar a vingança, ofereceu aos deuses do Monte Olimpo o casal ainda preso na rede como uma diversão (bem bizarra, por sinal)…

O estilo seguinte foi o Romantismo, que não tem muita citação à mitologia. 
O Realismo / Naturalismo (segunda metade do séc. XIX) também não faz tanta referência à mitologia, mas eu me lembro que Machado de Assis cita alguns episódios mitológicos em Dom Casmurro.

Ainda no século XIX, surgiu o Parnasianismo. Mais uma vez, a referência já está implícita no nome do estilo… No caso, Parnaso era uma região na Grécia na qual se dizia viverem as Musas. O Parnasianismo busca o “belo pelo belo”, e suas poesias são, em geral, descritivas.
Abaixo, um trecho de “Anima chloridis”, de Raimundo Correia:

“Rola a foice de Ceres luminosa
No azul… Flora, vens já, que a alma te sente
No éter fino, na luz, na água, na umbrosa
Selva, e em tudo te aspira avidamente.
(…)”

O texto mais “chatinho” é uma característica parnasiana, já que o estilo sempre usa palavras menos comuns. Ceres é o nome romano de Deméter e Flora é a vilã de A Favorita a deusa itálica das flores.

Quase ao mesmo tempo da existência do Parnasianismo, havia o Simbolismo. Não é um estilo marcado pela utilização da mitologia, mas pode ser que existam textos dentro deste estilo que tratem de algum tema mitológico.

No início do século XX, a literatura passou por muitas mudanças, que resultaram no Modernismo. E então, chegamos no ponto que começou esse artigo…

O Modernismo é uma escola literária muito variada, e é difícil definir características exatas… Para não complicar (e estender isso mais que o Tártaro), vamos dizer que cada autor escolhia o seu rumo.

Em Portugal, um dos poetas modernistas mais importantes é Fernando Pessoa, e seu heterônimo Ricardo Reis tinha um estilo próximo do árcade, o que resultou em muitas poesias com temas mitológicos… Como essa aqui:

“De Apolo o carro rodou pra fora 
Da vista. 
A poeira que levantara 
Ficou enchendo de leve névoa o horizonte; 

A flauta calma de Pã, descendo 
Seu tom agudo no ar pausado, 
Deu mais tristezas ao moribundo 
Dia suave. 

Cálida e loura, núbil e triste, 
Tu, mondadeira dos prados quentes, 
Ficas ouvindo, com os teus passos 
Mais arrastados, 

A flauta antiga do deus durando 
Com o ar que cresce pra vento leve, 
E sei que pensas na deusa clara 
Nada dos mares, 

E que vão ondas lá muito adentro 
Do que o teu seio sente cansado 
Enquanto a flauta sorrindo chora 
Palidamente.”

            E, daí para a frente, a literatura (e toda a arte em geral) foi tomando rumos mais imprevisíveis, que não dá para citar mais onde exatamente tem mitologia ou não…
Bom, é isso. O assunto, na verdade, é muito extenso, e para catalogar tudo quanto é tipo de autor que usou referências mitológica em seus textos, levaríamos vidas e vidas…

            Até o mês que vem, com mais um artigo sobre mitologia…

“A autora desse artigo andou lendo a Desciclopédia”

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