A grande jogada da ambiguidade

Por:

 

Por Mary Anne

 

Okey, eu resolvi destruir minha reputação de vez, mas ambigüidade sempre foi um assunto que me fascinou e não é porque ela apareceu na novela das oito que eu vou ignorá-la.
No mês passado foi ao fim uma das novelas onde existiu uma das psicopatas mais “callísticas” da TV brasileira, a Flora. Mas não é dela que quero falar aqui.

Vocês devem estar se perguntando o que eu vou desenterrar dessa novela e comparar com Xena Warrior Princess, de novo.
Bom, XWP foi uma série que em um aspecto ou outro sempre esteve movida pela ambigüidade, principalmente quando se trata do relacionamento das duas protagonistas. A ambigüidade foi a sacada genial dos produtores, o modo de agradar a gregos e…romanos, não apenas quando se vem falar de subtexto, mas quem nunca ficou com a pulga atrás da orelha depois de ver The Furies pela primeira vez, pensando “ARES, pai de XENA, mas…?!”, ou quem não teve muita certeza se Xena estava ou não no barco na cena final da série?

A Favorita tem bastante em comum com XWP, por mais que seja um pouquinho desagradável comparar a nossa amada série com um produto pra cultura de massa brasileira e nós saibamos que a série é uma obra muito mais profunda e cheia de cultura.

Começando pela adorada Flora, que não era apenas uma vilã qualquer, mas uma PSICOPATA, tal qual uma certa loira de XWP!A questão que ficou foi, qual era a da Flora? Qual a origem de sua obsessão. Um fato ficou claro. Flora AMAVA Donatella, e a rejeição era seu maior temor. Paradoxo isso, se considerarmos que ambas se atazanaram a novela toda, não? Mas que tipo de amor era esse? Ora aparentando o velho “amor de irmãs”, ora parecendo algo mais subtextual. A resposta? Acredite no que você quiser.

Mas havia outro problema além desse amor, o complexo de inferioridade, o desdém. Em A Favorita, nenhuma das duas são santas. Flora era uma psicopata, mas Donatella uma rica esnobe que acabou se metamorfoseando. E será que isso não tinha raízes mais fundas?

“Chega de brincar de desenhar, eu quero brincar de cantar”
“Eu não sei cantar muito bem.”
“Mas eu sei”
.

Um simples diálogo infantil mostra o quanto Flora era arrastada pela irmã de criação, que não se importava com suas possíveis dificuldades uma vez que o que lhe importava era a sua própria habilidade.
As cenas de Donatella no teatro numa encenação onde humilhava Flora com o lenço que tanto lhe significava foram cruéis. Tão cruéis que me faz duvidar que boa parcela dos espectadores não tenham odiado a Donatella naquele momento, e ainda  mais quando a mesma rasgou a boneca que  importava tanto para a outra mulher.

Será que existia apenas uma vilã ali? Nada justifica o comportamento sádico e atormentador de Flora, mas por alguns momentos, meio isolados, Donatella foi ali não somente a mocinha da história, mas a “real bitch” de algumas situações.

No fim das contas, comoventemente, Donatella era A FAVORITA, não de Lara como Brasil pensou de início, mas de Flora, numa relação e sentimentos tortos e não convencionais, mas de um jeito que transpira complexidade psicológica.

Mas a ambigüidade parou por aí? Não.
Muita gente ficou com a maior cara de tacho no final da novela se perguntando quem em Tartarus era o pai da filha da Mariana. A resposta estava nas fuças do espectador, mas de maneira bastante subtextual, devido a natureza chocante do fato. O pai da filha de Mariana, era muito provavelmente o próprio pai de Mariana, e isso fica visível na frase da menina “Não encoste nela.Você não vai fazer com ela o que fez comigo”.

Qual o motivo de tanta relutância em perdoar? Por mais cafajeste e imprestável que Leonardo fosse, Catarina e Domênico já haviam lhe perdoado uma vez. Mas nunca Mariana, que sentia pavor de ficar no mesmo ambiente que o pai, que tinha completa repulsa pelo mesmo. Abuso Sexual foi jogado ao bolo de temas de uma maneira muito sutil, porque ainda hoje é um assunto que choca, que provoca mal estar ao se falar sobre.

Por último, venho aqui falar das uber Xena e uber Gab brazucas, ou seja, Catarina e Stela! Só pra constar, a parte do uber foi brincadeira.

A parcela que torcia por elas, na semana final da novela, só fez xingar. Xingar o autor. Xingar a Catarina. E xingar o pobre verdureiro com tipão de Joxer.
Como diabos podia João Emannuel Carneiro fazer Stela se consumir de amor não correspondido e de ciúmes enquanto Catarina andava pra cima e pra baixo “rolando como duas doninhas” com o verdurinha? Bom, no final o pé na bunda de Wanderley foi acertado e há quem diga que o subtexto favorece as soulmates brazucas.

Mas teimo em repetir, novela é cultura de massa, e quando a coisa sai um pouco da freqüência do cérebro dos espectadores e se torna preciso digerir as informações, o povo prefere simplesmente ficar com a casquinha e se contentar com ela.O que quero dizer com isso? Muitos afirmaram que Catarina não ficou nem com Wanderley nem com Stela. Mas o que foi aquele papo de “viver novas experiências e aventuras”? Coincidentemente logo ao lado da Stela, um dia depois de desistir de casar e em Buenos Aires, conhecida como capital Gay da America Latina. Detalhe: algumas semanas antes Catarina dizia para Stela que sonhava em passar a lua de mel em Buenos Aires, pois pelo jeito foi isso mesmo que ela fez!

Outro ponto interessante foi o último diálogo das duas na novela, onde Stela diz “eu fiquei tão feliz de você ter aceitado o meu convite”, mas lembremos aqui que a idéia de ir para Buenos Aires era de Catarina e não de Stela.Então, que convite era esse? Era aquele feito dois capítulos antes onde ela dizia que achava que Catarina deveria viver “novas experiências” antes de se atirar em Wanderley sem pensar.

E dá-lhe subtexto!

Em suma, o autor novo e meio inexperiente conseguiu fazer uma novela interessante. Com temas mais complexos que as novelas saturadas de Leblon e glamour carioca de Manoel Carlos, ou os dramas de imigrantes de Benedito. Ele cometeu gafes sim! Mas que não comete? No fim é apenas “Yet another ‘a favorita’ Inconsistence”.

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