Quando a heroína deixava de existir

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Uma das coisas que sempre me fez gostar de Xena era a complexidade das emoções dessa personagem. Ela nunca foi apenas uma guerreira que resolveu lutar pelo bem, ela foi antes disso humana, e nesse ponto houveram diferenças muito grandes entre ela e o protagonista da série que deu origem a ela, ou seja, Hercules

Já houve diversas discussões ressaltando que Hercules era o herói de caráter inquestionável, bonzinho demais, piedoso demais, que não usa espada e raramente mata, que não se vinga, que luta contra o mal e tudo que sabemos.Por isso ele é um herói de caráter nobre e não questionável.

Xena não, Xena não é apenas uma heroína, ela tem um lado anti-herói, ela tem um lado vilânico, e acima de tudo um lado humano.

O que é um ser humano? Um ser que embora possa ser cheio de valores éticos e morais, um dia vai perder a cabeça. Um ser que embora saiba distinguir o certo do errado, uma hora vai errar. Um ser que pode perder a cabeça, que fará loucuras, que chorará e fará chorar. Um humano sempre é falho e tem defeitos. E por isso é que um ser humano é tão complexo e interessante. Um “além-homem”, um “super homem”, no sentido de ausência de maldade, retidão de caráter, pode ser interessante também, mas não trazem a possibilidade de poder assistir seu personagem favorito se desconstruir em cena, consumido pelas próprias emoções e poder ENTENDER o que ele está sentindo por também ser capaz de sentir aquilo, na qualidade de humano.

Mas e onde fica esse lado anti-heróico de Xena? 


Esse é o objetivo desse artigo, mostrar um pouquinho do lado de Xena que manda o “greater good” às favas…

Callisto, com estilo até pra morrer.

 

Return of Callisto – Episódio tenso, muito tenso! Grande quantidade de acontecimentos apenas pra 41 minutos! Gabrielle reencontra Perdicus, diz que jamais casaria com ele, resolve se casar para tirá-lo da guerra,  despede-se de Xena, vai para lua de mel, Callisto mata Perdicus, Gabrielle quer vingança, depois desiste e sobra pra Xena fazer o serviço sujo. Além de vermos Gabrielle liberar seu lado “Kill them all” pela primeira vez, tem aquela emocionante cena final da corrida de bigas. Esses dias estive assistindo o episódio sendo comentado por Lucy e Renée e foi interessante vê-las não se lembrando direito do final e acreditando piamente que Xena não deixaria Callisto morrer. Mas ela deixou, o que foi motivo de espanto pra nossas garotas, porque Xena como heroína, não deveria ter aquele tipo de atitude. Foi esse quadro de modo geral, que me deu a idéia pra esse artigo. Embora tenhamos visto Xena claramente hesitar enquanto deixava Callisto afundar na areia movediça, ela tomou a decisão. A decisão que levou em conta a vingança que Gabrielle desejava.

The Debt II – Nesse episódio Xena deveria “fazer o dragão verde se tornar pequeno de novo”, o que não incluía necessariamente matar Ming Tien e sim destroná-lo diante de seu povo. Até temos um emocionante diálogo onde Xena diz:

Xena: Você está sem poder agora. Você perdeu sua imagem em frente de seu povo. Eles não te seguirão mais. Você estava certo, eu não tinha que resolver isso com um assassinato.Eu finalmente entendi a mensagem de Lao Ma. Eu o fiz pequeno novamente.

Gabrielle: Xena, não matando ele, você fez exatamente o que Lao Ma gostaria que você fizesse.

Tudo muito bonito e heróico, até percebermos na cena final que Ming Tien está com o prendedor de cabelo pontiagudo – uma arma mortal – cravado no crânio, fato que ela esconde de Gabrielle. Xena não resistiu ao impulso de vingar a morte de sua antiga mentora.

 

One Against an Army – Muita gente reclama desse episódio alegando que ele tem um ritmo lento e pouca ação, mas convenhamos que o rompante final com aquela quantidade de inimigos compensou. Basicamente, os Persas estão prestes a atacar Athenas e Xena tem de escolher entre detê-los ou rumar para a Tessália para conseguir um antídoto e salvar a vida de Gabrielle que levou uma flechada. Escolher entre a vida de uma cidade inteira e a de uma pessoa…O que Xena faz?  Ela luta contra o exército Persa para salvar Athenas, mas não por vontade própria e sim por vontade de Gabrielle, afinal Xena queria mandar Athenas para o quinto do Tártaro. Gabrielle estava morrendo e isso era tudo que ela precisava impedir. Meio egoísta para uma heroína não? Mas tá mais do que perdoada.

 

Veneno, igual Gabrielle. Eu vou te deixar morrer mais rápido…mas com muito mais dor.”

 

Gabrielle: Você não pode partir, não se eles ( os Persas  ) ainda estão aqui.
Xena: Gabrielle, quieta!
Gabrielle: Olha, eu sei o que você está fazendo e você não pode! Se você não atrasá-los…
Xena: Eu não vou deixar você morrer! Eu ainda posso te levar pra Tessália e até o antídoto.
Gabrielle: E depois? O que acontece com a Athenas? A minha vida vale isso?
Xena: Primeiro as coisas mais importantes
Gabrielle: A coisa mais importante é o Bem Maior, você me ensinou isso. Você me ensinou que há coisas na vida pelas quais vale a pena morrer, coisas que têm um significado maior que nossa própria existência.
Xena: Não a sua existência.
Gabrielle: Por que, porque eu sou sua amiga?
Xena: SIM!

[…] Gabrielle: Xena?
Xena: Estamos partindo.
Gabrielle: Achei que estivéssemos de acordo.
Xena: Mudei de idéia.
Gabrielle: Não há outro jeito.
Xena: TEM que haver outro jeito.
Gabrielle: É tarde demais para mim.
Xena: Eu não aceito a derrota. Sempre há escolhas, eu já paguei meus pecados passados, minha responsabilidade agora é você!
Gabrielle: Não.
Xena: Não discuta comigo agora.

 

Legacy – Em Legacy Xena e Gabrielle encontram-se com povos nômades do deserto, que embora tenham suas rixas, tem um inimigo maior em comum, por coincidência bastante odiados por Xena: Os romanos. Numa certa cena no decorrer do episódio, em meio a uma tempestade de areia, Gabrielle numa tentativa de salvar a vida de Xena acaba matando um rapaz inocente, filho do chefe de uma das tribos. Tomada pelo remorso Gabrielle quer se entregar a justiça, idéia que não agrada muito a Xena que por sua vez inventa que o rapaz acabou morto num encontro com romanos, após ouvir Tazir jurar que mataria o assassino de seu filho.

Gabrielle: Eu deveria ter ido com você e falado com ele
Xena: Não, é mais complicado do que você imagina.
Gabrielle: Não é complicado. É simples.Eu matei Korah.
Xena: A pena para isso é a morte.
Gabrielle: Eu aceito.
Xena:Bom, mas eu não!
Gabrielle: Xena, aquele homem merece a verdade.
Xena: Ele acha que sabe, ele acha que foram os romanos.
Gabrielle:Você disse isso a ele?
Xena:Foi um acidente. Deixe-os acreditar que foram os romanos, eles terão que lutar de qualquer modo.
Gabrielle:Eu não posso mentir sobre isso.
Xena:Você não tem que mentir….Por favor…Não diga nada.

Gabrielle, vendo que um inocente morreria por sua causa, acaba se entregando de qualquer modo. Então nossa…( anti ) heroína precisa achar uma alternativa para salvar sua alma gêmea, não é mesmo? E ela acha! Arma para que os romanos invadam a área do acampamento de Tazir bem no momento em que ocorreria a execução de Gabrielle.

Gabrielle: Salva pelos romanos. Eu nunca imaginaria.
Xena: Eles demoraram demais.

Mais tarde, Kahina, a líder da outra tribo nos mostra como se dá a desconstrução da imagem heróica que ela tinha de Xena.

Kahina: Engraçado como os romanos apareceram bem a tempo de salvar sua amiga. Quase como se fosse planejado.
Xena: Você tem a batalha que queria. Pare de reclamar.
Kahina (para Gabrielle): Deixou alguns detalhes fora das suas histórias, não foi?

Num diálogo no final do episódio, Xena nos mostra de que ao contrário de como um herói deveria pensar, havia “algo” que para ela valia muito mais do que um bem maior…

Gabrielle: Você me salvou hoje Xena, na contramão do bem maior.Por que? Não é por ele que lutamos?
Xena: Gabrielle, na vida de todos há algo que vai além do bem maior. É o que você é em minha vida. Eu não poderia deixar você morrer se tinha algo que eu podia fazer.
Gabrielle: Mesmo se fosse minha escolha?
Xena: Especialmente se fosse sua escolha.

Alguém consegue imaginar Hercules armando para que seu maior inimigo ataque alguém num determinado momento?

The god you know – Nesse episódio, o Imperador Romano insano Calígula está se tornando um deus, graças a um elo que mantém com Afrodite, sugando o poder dela. O arcanjo Michael incita Eve a um sacrifício pela causa que ele dizia ser o mais importante. Mais tarde, o mesmo tenta matar Afrodite e como Gabrielle estava perto foi o que bastasse para que uma interpretação errada enfurecesse Xena a ponto de “tirar a vida” de um ser celestial.

 

Xena: MICHAEEEELLLL, você tentou fazer Calígula matar Eve pra me forçar a matá-lo. Agora você vem atrás de minhas amigas.Isso não vai acontecer!

Em seguida ela aplica o golpe de pressão no arcanjo e tenta afogá-lo numa piscina.

Michael: Eu estava tentando matar Afrodite, não Gabrielle! Caligula está perigando se tornar o maior inimigo de Eli. não podemos permitir que esse louco se torne um deus completo, o que acontecerá se ele beijar Afrodite mais uma vez! E o único meio de evitar isso é matando Afrodite.

Xena: Mais uma pergunta pra você? O que acontece com os anjos quando eles morrem?

Bom, são esses os episódios que selecionei para mostrar alguns traços questionáveis do caráter de Xena, pois acredito que sejam os episódios onde isso fica mais claro, embora existam outros momentos onde ela se mostre como anti-herói. Não podemos esquecer também que em “Heart of Darkness” ela corrompeu um arcanjo porque não queria assumir o posto de rainha do Inferno e precisava mandar um substituto pra lá, mas esse episódio eu deixei de fora porque o arcanjo em questão já tinha uma certa vocação para ” ser capetoso”.
Quem sabe o próximo não será um artigo sobre o lado anti-herói de Gabrielle? A cena dela querendo mandar as 40 mil almas se explodirem por alguma razão me dá idéias interessantes!

 

 
 
 
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