Curso de estrutura de roteiros Aprendendo linguagem cinematográfica com Xena

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Aula 5 – Os arquétipos

Nos primórdios da civilização humana, em torno das fogueiras noturnas, nasceram os contos mitológicos. O homem tribal buscava obter respostas para os fenômenos da natureza que a sua ciência primitiva ainda não explicava. Os mais velhos repassavam aos mais jovens histórias que aprenderam dos seus mais velhos ainda. Histórias estas que tentavam decifrar mistérios do mundo como a origem dos raios e trovões, do fogo e das águas. Por que às vezes chove muito e em outros tempos só estio? Onde a caça é mais propícia em determinado período do ano? Como apaziguar a ira dos deuses? E…, como são os deuses? Os nossos ancestrais buscavam obter estas respostas olhando para as estrelas e dando vida a elas. Assim, a humanidade criou os deuses, e, para melhor decifrá-las, as divindades foram sendo criadas conforme a nossa imagem e semelhança. Os deuses nos protegiam ou nos castigavam, uns eram bondosos e generosos enquanto outros eram violentos e traiçoeiros conforme o reflexo da nossa natureza humana.

Carl Gustav Jung, psiquiatra suíço discípulo de Sigmund Freud, explicou a mitologia como a conscientização de arquétipos do inconsciente coletivo, uma herança do espírito primitivo esquecido. “Os deuses clássicos estão presentes como arquétipos do inconsciente coletivo”.

Arquétipo – “arkchétypos” significa modelo primitivo. São elos entre o consciente e o inconsciente coletivo. Eles estão presentes nos sonhos, nas religiões, nos contos de fadas, nas histórias, nas cartas de tarô, na astrologia etc.

Conhecer bem os arquétipos é como mergulhar a fundo na alma e mente humana é uma poderosa ferramenta para os escritores. Com ela podemos determinar a função de um personagem na história. Os arquétipos revelam o temperamento e as qualidades boas e más que existem em qualquer ser humano. Mais de um arquétipo pode se manifestar em um personagem tornando-o muito mais rico e convincente.

 

Em certas situações, determinada pessoa pode cometer atos violentos e no momento seguinte, ao enfrentar outra situação pode comportar-se como um anjo. Em “Kill Bill” A noiva vingativa elimina sem piedade dezenas de inimigos, mas quando identifica entre eles um garoto dá uma de mãezona e aplica-lhe apenas um castigo na bunda e manda-o para casa. Esta multiplicidade faz parte da essência humana e dos personagens também.

Os arquétipos da literatura

Christopher Vogler em seu livro “A jornada do escritor” separa a aventura do protagonista (Herói) em dois mundos: o comum e o especial. Inicialmente o herói ou protagonista leva a sua vida pacata no mundo comum até o momento da primeira virada quando ele é convidado ou empurrado a entrar no mundo especial, o mundo mágico da aventura. Neste mundo o protagonista irá ter que enfrentar diversos desafios e também irá travar encontros com diversos arquétipos representados pelos outros personagens. De acordo com Vogler, os arquétipos mais comuns em dramaturgia são:

O Herói

 

A palavra vem do grego e significa “o guardião, aquele que protege e serve”; ou seja, herói não é só aquele que salva; mas também é aquele que se sacrifica em prol dos outros. Ele dá a sua vida pelos seus ideais, a exemplo do que fizeram grandes nomes da história como Sócrates, Jesus Cristo, Tiradentes etc.

Geralmente o herói busca alcançar uma determinada meta só então ele percebe que tal conquista não foi suficiente para restaurar o seu mundo, então ele parte para conquistar outra meta muito mais difícil, porém, definitiva. Os heróis costumam sofrer transformações perante o aprendizado, mas existe um tipo que não sofre mudanças: o catalisador. Sua função é transformar pessoas e a sociedade. Em alguns momentos, eles funcionam como Mentores.

 

Conforme for o estilo literário do escritor o arquétipo do Herói sofre algumas diferenciações. O herói do classicismo apresenta valores morais ideais e inabaláveis. (coragem, força, sobriedade,  justo etc.) Por sua vez o grande herói do romantismo é o mártir, aquele que morre para salva o seu próximo (patriota, incorruptível, idealista, mártir etc.); já o herói contemporâneo é um ser que nada tem de especial, sendo assim, ele mais se aproxima da natureza humana. (íntegro, porém falível, os seus fins justificam os meios) Ele é atormentado por sua consciência interna, comete erros e acertos e os seus valores éticos podem ser relativos e questionáveis.

Principais características:

– Geralmente está atrelado a uma trama maniqueísta (o bem contra o mal) e, de forma espontânea ou não, se coloca do lado do bem;

– Costuma sair vitorioso mesmo que morra no final. No processo catártico da trama maniqueísta ele deve sempre vencer o mal;

– Suas preferências são regidas pelos ideais da sua cultura ou do inconsciente coletivo. Costuma vestir-se de branco, vive em ambientes claros, limpos e confortáveis, tem gostos refinados, é inteligente, com um padrão de vida invejável;

– Ele é altruísta, está sempre disposto a sacrificar-se. Geralmente morre no meio da trama romântica para mais tarde ressuscitar mais forte em busca da revanche ou de justiça.

O anti-herói

 

O anti-herói pode ser considerado uma paródia do herói, enquanto o herói apresenta um caráter de espírito moldado no mundo do ideal platônico, os anti-heróis são compostos pela exagerada exposição das fraquezas da natureza humana. Eles enfrentam a vida com humor e jogo de cintura com grande dose de oportunismo. Geralmente são marginais, pois se rebelam contra as regras impostas pela sociedade. O vagabundo de Charles Chaplim vivia fugindo da polícia. Macunaíma, o herói sem nenhum caráter, de Mário de Andrade é o grande anti-herói da literatura brasileira; no “Auto da Compadecida” de Ariano Suassuna, o mentiroso e o covarde Zé Chicó e o ardiloso João Grilo também são anti-heróis.

Principais características:

– Ele é mais humano e verídico que o herói clássico;

– Apresenta desejos e conflitos emocionais comuns ao homem civilizado – suas ações e opções nem sempre são éticas;

– É possuidor de deficiências físicas e morais;

– É escravo de vícios, é passível de sofrer todas as fraquezas e fragilidades humanas. Adoece e não raro morre sem ressuscitar no final da trama;

– Nem sempre está do lado do bem, pois preferencialmente busca estar do lado dos seus próprios interesses.

– No final nem sempre sai vitorioso;

– Suas ações podem resultar em cenas de situações cômicas e desastradas ou mesmo grotescas e trágicas; ele também pode ser um Clown;

– Costuma mentir, trapacear, roubar ou agir de forma relativa à ética das normas civilizadas. (Vide Mr. Been) Geralmente, as suas ações revanchistas buscam a vingança e não necessariamente a justiça. Entretanto, a sua essência não é puramente maligna, também é capaz de se arrepender, ter gestos altruístas e caridosos.

O Super-Herói

 

Os super-heróis foram criados e se popularizaram muito recentemente pela indústria das histórias em quadrinhos. Porém eles remontam aos mais ancestrais dos arquétipos. Os deuses foram criados com poderes místicos que nós, os reles mortais, não possuímos. Como os deuses, os super-heróis controlam poderes que vão muito além da capacidade humana. Enquanto que os heróis clássicos apresentam caráter ético ideal em um corpo frágil e limitado. Os Super-heróis possuem poderes quase que ilimitados em corpos indestrutíveis, porém às vezes os seus valores morais e éticos podem ser questionáveis colocando estes neo-deuses bem mais próximos a nós. Os super-heróis são os deuses contemporâneos não atrelados a nenhuma crença ou religião.

Principais características:

– Criação da moderna literatura, desenvolvida principalmente nos EUA no pós-guerra – séc. XX.

– Inicialmente os super-heróis habitavam apenas o espaço dos “Comics” (Histórias em quadrinhos). Com o passar do tempo passaram a ser editados em (pulp ficcion) livros do bolso para mais tarde, graças aos colecionadores e maturidade do seu público, passaram a ser consagrados como objetos de valor artístico-cultural, ganhando edições em álbuns de luxo, versões literárias mais complexas e elaboradas e por fim nas versões animadas e cinematográficas.

– Pode ser a simbolização do poder patriótico de uma nação ou de uma eugenia. Geralmente até mesmo personagens alienígenas vestem-se e adquirem valores patrióticos de certos países.

– É possuidor de dons fantásticos e mesmo divinos.

– É altruísta e suas ações contra o mal não são motivadas por vingança, mas sim por justiça.

O Sombra ou o vilão

 

Este arquétipo representa as psicoses, o lado obscuro.

A energia está presente nos vilões e antagonistas que se aproximam do Herói para destruí-lo. Mas a Sombra não tem só qualidades negativas. O antagonista pode não ser totalmente mau, mas o que faz dele Sombra são as táticas desleais que usa para eliminar o Herói da “guerra” e conquistar o seu objetivo. Ele pode também atacar a mente do Herói dando-lhe sentimento de culpa ou paralisando-o pela indecisão.

Principais características:

– O vilão clássico está sempre do lado do mal, geralmente está sempre atrelado a uma trama maniqueísta. No final sempre sai perdedor, mesmo matando o Herói;

– Seus gostos podem ser refinados, mas sempre sombrios, costuma vestir-se de negro e viver na penumbra. Acerca-se de asseclas, vilões secundários que irão sendo descartados no decorrer da trama, um a um, até o grande confronto final entre ele (o Sombra) e o Herói;

– No final costumeiramente ele morre e raramente paga por seus crimes no cárcere. Entretanto, ocasionalmente pode sobreviver para justificar um futuro embate contra o herói;

– É movido por ambições egoístas, é mais próximo do humano, salvo exageros. Geralmente está em busca do poder, dinheiro e fama e/ou vingança. É essencialmente cruel, também é movido por paixões duvidosas.

– No decorre da trama clássica sempre tem uma ou várias vitórias provisórias sobre o Herói e numa delas pode mesmo a conseguir matá-lo, no entanto, a trama catártica busca sempre a sua derrota no final;

– Em abordagens mais modernas, o vilão pode ser um individuo comum acometido de paixões doentias e obsessões direcionadas ao protagonista;

– Suas armas são variadas, que vão de frascos de veneno até bombas do juízo-final;

– Costumeiramente age por meio de seus comparsas especialista em técnicas assassinas.

O Mentor ou o mestre

 

O nome Mentor é proveniente da “Odisséia” de Homero, Mentor era um velho criado de Ulisses que tem o seu corpo possuído pela deusa Atenas para que ela auxiliasse Telêmaco, o jovem filho de Ulisses, a sair de casa em uma longa jornada em busca de notícias do seu pai.

Geralmente ele é um personagem idoso e sabedor de técnicas especiais, que no decorrer da trama repassa ao seu tutor (geralmente o Herói) e graças e estes conhecimentos torna-se capaz de vencer os seus oponentes.

Seu instrumento de guerra é a magia e a sabedoria. É o arquétipo muito comum nas histórias. Como exemplo, Obi Wan Ke Nob de “Star Wars”, o Mago Gandalf de L.O.R. e o Sr. Miyag de “Karatê Kid”.

 

Em XWP Lao Ma e Alti são as grandes mentoras de Xena, uma do bem e outra do mal.

O Mentor pode substituir o pai ou a mãe. Os mentores são protetores mágicos que, além de orientarem os heróis em sua jornada, os presenteiam com talismãs que devem ser conquistados com sacrifício.

O Camaleão ou o ser ambíguo

 

Talvez seja o arquétipo mais complexo de se estudar, pois é bastante dissimulado e está ligado às projeções que fazemos sobre sexualidade e relacionamentos. Ele aparece para disseminar dúvida e suspense. Os camaleões mudam de aparência ou de posição ideológica, principalmente quando têm suas expectativas frustradas. O exemplo mais comum é o do auxiliar do vilão que no momento mais crítico da história muda de time e salva o Herói.

Personagens como vampiros e lobisomens também podem ser Camaleões, assim como alguns vilões de contos de fadas usam a máscara deste arquétipo para enganar o Herói. Por exemplo: a rainha má que se transforma em velhinha para tentar matar a Branca de Neve.

A relação Camaleão X Herói pode gerar uma grande necessidade de mudança em ambos.

 

Com suas diversas transformações no decorrer da série, Callisto é a grande camaleoa em XWP

O Pícaro ou o Clown

 

A função deles é arrumar encrenca e divertir. Um Pícaro pode conduzir o Herói a passar por situações inesperadas ou absurdas. É muito comum na dramaturgia com a função de manter certo equilíbrio entre as cenas de forte tensão emocional e de pura diversão. A função deste arquétipo é o alívio dramático. É a energia do Clown provocando risos que deixa uma tragédia mais leve e suportável. Nenhum público suporta assistir duas ou três horas diretas de angustia e sofrimento.

Principais características

– Geralmente é covarde e atrapalhado, se mete constantemente em encrencas.

– Pode ser um dos parceiros do herói ou um dos comparsas do vilão.

– Sua arma de guerra geralmente é o escudo (instrumento de defesa)

– Os Heróis Picarescos são bem frequentes nos desenhos animados como o Homer Simpson, o Pateta, o Dunga etc.

O Arauto ou o Mensageiro

 

Normalmente, ele aparece no Ato I, impulsionando o Herói a aceitar o “Chamado à Aventura”. O Arauto pode revelar-se de diversas maneiras: como um personagem, uma situação, uma carta ou mesmo um filme cuja mensagem atinge o Herói a tal ponto em que sente que necessita uma certa demanda. O arquétipo pode ser negativo quando induz o Herói a uma aventura perigosa, que coloque em risco a vida dele. Quando isso acontece, é possível que seja aliado de algum vilão ou antagonista.

É o agente transformador da vida do protagonista. Após sua aparição ele revela ao Herói novas verdades que irão fazê-lo sair de sua vidinha pacata para se aventurar pelo mundo e cumprir sua missão de entrar numa terrível guerra contra o mal.

No filme “Os Incríveis”, a sex Mirage tem a missão de ser o Arauto do Sr. Incrível enquanto que a modista Edna Mode cumpre a mesma função em relação à Sra. Incrível. Também Morpheus é um Arauto em “The Matrix” ao oferecer ao Neo a escolha da pílula azul ou vermelha.

Guardião do Limiar (A chave do mistério)

 

E o agente que guarda o segredo que solucionará toda a trama. Geralmente é um auxiliar do vilão que no ponto mais crítico se redime e liberta o Herói, para que enfim ele vença o vilão. Ex.: Mirage a linda auxiliar do Sindrome em os Incríveis.

O Guardião do Limiar pode também questionar a competência do herói criando dificuldades para ele provocando a sua reação. Em algumas histórias, a insegurança e outros problemas psicológicos podem funcionar como Guardiães de limiar. Também pode ser um pequeno detalhe que passa despercebido em meio a trama, mas que no final torna-se o grande detalhe como o golpe arranca olho em “Kill Bill 2” ou o tamanco ortopédico da velha portuguesa em “As Bicicletas de Belleville.”

O Outro (A dualidade ou o espelho)

Conta-se que em algumas culturas antigas, quando nasciam irmãos gêmeos um deles era imediatamente sacrificado, pois acreditavam que um deles conteria todas as perversidades de ambos. O Outro é um desconhecido que invade a vida de um personagem sendo a sua imagem e semelhança, porém interiormente costuma ser o seu oposto. Quando ele entra na vida de um protagonista geralmente tenta não apenas se passar por ele, mas também roubar-lhe a identidade, os seus bens, a sua família e amigos, ou seja, o Outro geralmente tenta roubar a vida do Herói.

 

Em XWP o Outro de Xena tanto pode ser Callisto fugida do tártaro que troca de corpo com Xena, ou a atrapalhada vigarista Meg, também podem ser consideradas seus Outros a Princesa Diana e a Sacerdotisa Leah. Gabrielle também teve os seus Outros: A deusa Tataka e a sua filha maligna Hope. Joxer também tem no seu irmão do mal Jett seu Outro. Também no seriado HLJ, em “Strange in a strange world” Hércules e Ioláus penetram em uma dimensão paralela em que todos os habitantes são Outros de personagens conhecidos da série com personalidades opostas.

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3 Responses to “Curso de estrutura de roteiros Aprendendo linguagem cinematográfica com Xena”

  1. Mary Anne disse:

    Adoro toda essa sua série de artigos, Sena. Além de muito bem escritos, trazem informações interessantíssimas, claramente fruto de muito conhecimento e pesquisa. Meus parabéns!

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  2. Yannara disse:

    Star Wars, Macunaíma, Charlie Chaplin, Harry Potter, Os Incríveis, Marvel *______* As mina pira nas imagens e no texto bem didático, sem ser enfadonho.

    Interessante ter citado o “Guardião do limiar” não só como personagem, mas como um ato, objeto ou momento que desempenha essa função. Nas estórias contemporâneas (sobretudo em filmes) essa característica se apresenta em muito dos outros arquétipos que não são sempre personagens, o próprio héroi bonzinho pode ter seu momento de vilão, mesmo que por um minuto.

    Não sei se está nos projetos futuros desse curso, mas trabalhar ” A Jornada do Herói” descrita por Joseph Campbell seria interessante.

    No mais, parabéns pelo bom trabalho.

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    • ssenat disse:

      Yannara, A próxima aula irá tocar exatamente neste tema: “A Jornada do Herói” ^^

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